Depois de uma brincadeirinha homenageando Charlie Harper, retomo a seriedade para falar do mais importante homem vivo. Se alguém se debruçar minimamente sobre a biografia de Nelson Mandela - lendo por exemplo seu clássico "Long walk to freedom" ou os relatos de "Caminhos de Mandela", verá que não há nenhum exagero nessa categórica afirmação. Mandela me inspira e eu estava precisando de inspiração para escrever no meus "cadernos da rede", parafraseando os clássicos escritos do cárcere de Gramsci. Cárcere...bom tema para iniciar, afinal Mandela ficou 27 anos preso.
Quando foi julgado por traição em nos tribunais de Rivona, Mandela, um dos primeiros advogados negros a atuar em Joanesburgo, vestiu-se de roupas tribais que remetiam às suas origens da etnia Xhosa. Ele sempre soube captar o significado simbólico dos seus atos. Ele mostrava ao governo racista que estava ali não como um indivíduo, mas representando a tradição e o passado de um povo. Mandela elaborou sua defesa em um discurso histórico, no qual afirmou com veemência:
Mandela com trajes tribais no julgamento |
"Tenho nutrido o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas possam conviver em harmonia e com igualdade de oportunidades. É um ideal pelo qual espero viver e que espero ver realizado. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer"
Mandela não foi setenciado à morte, mas à prisão perpétua. Isolado na penitenciária na ilha de Robben, litoral da Cidade do Cabo, entendeu a dinâmica de poder do microcosmo penitenciário - um caso perfeito de captação da microfísica do poder, conforme abordagem de Foucault. Estudando a língua africânder - idioma do opressor branco - ele se dedicou a conhecer a fundo a cultura africânder. Nelson se aproximou dos guardas e ganhou o respeito de alguns, simplesmente porque sempre foi muito gentil, atencioso e interessado na vida de cada um. No entanto, nunca abaixou a cabeça. Quando ameaçado por um guarda truculento, Mandela se impôs: "se me encostar um dedo, vou te levar a mais alta corte desse país e juro que ficará mais pobre do que um rato!". Diante do tom incisivo e a imponência do líder, o guarda recuou. Assim, Mandela conseguiu silenciosamente liderar, mesmo preso em um cela de 4 por 2 metros.
Obviamente o governo racista africânder tentou derrubar Mandela de todas as formas possíveis. Seu filho primogênito foi morto em um suspeito acidente automobolístico. O diretor da penitenciária mandou para sua cela um pequeno recorte de jornal sobre o acidente. Foi assim que Mandela soube da morte do filho - deco lembrar que não era permitido a ele ler jornais na prisão. O governo não permitiu que Nelson fosse ao enterro de seu filho. Esse foi um golpe forte, que derrubaria qualquer um. Mandela não é qualquer um.
Em meados da década de 1980, o governo africânder enfrentava uma grave crise, com grandes prostestos domésticos e internacionais. O mundo clamava pela libertação de Mandela e o governo decidiu negociar, oferecendo a liberdade ao líder em troca do fim da luta armada pelo seu partido, o CNA. Transmitindo uma mensagem pública através de sua filha, Nelson afirmou que apenas homens livres podem fazer acordos. A sua liberdade não pode ser negociada, pois ela deve ser irrestrita e incondicionall. E finalizou: "a minha liberdade e a de meu povo não podem ser dissociadas". Mandela abriu mão de sua liberdade em nome da liberdade do seu povo, pelo fim do brutal regime de segregação racial que imperava na África do Sul desde 1948. Quando foi solto, em 1990, não houve condições. O regime racista estava, de fato, na beira do abismo.
Esse homem enfrentou tudo e jamais pereceu. E o mais importante, perdoou o seu opressor, em um gesto nobre de altruísmo e sapiência política, demonstrando, simbolicamente, que o amor e perdão devem superar o ódio e a vingança, sem que nunca, entretanto, a história seja esquecida. Quando o assunto é Nelson Mandela a fonte de critividade é inesgotável. Sempre que eu penso em algum problema, lembro de Mandela. Isso me mostra como esses problemas são pequenos e solucionáveis. O seu legado para a humanidade é o exemplo de que uma vida dedicada a um ideal é uma força que jamais se esgota, que se renova, e, quando pensam que ela jaz e se arrefece, como uma fênix renasce das cinzas com vigor e imponência, implacável.
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